quinta-feira, outubro 20, 2005





Ela chorava lágrimas ternas no fim desta história. Quando ele contava a parte da sereia ela perguntava "como era? diz lá como era ela?":

Um pai e dois filhos eram pescadores numa pequena vila junto ao atlântico. Viviam sós numa cabana, em condições deficientes pois eram pobres e a mulher tinha morrido há uns anos.
Sempre que o mar e o vento lhes permitiam saíam no seu pequeno barco a pesca. Não se afastavam muito, quando pescavam à noite o seu barco não era mais do que uma pequena estrela entre muitas outras , as do mar, as dos outros barcos e as das constelações.
Quando a pesca nocturna não era satisfatória, pescavam até de madrugada, junto ao Cabo da Gata, onde a água era transparente e onde facilmente apanhavam alguns polvos.
O rapaz mais novo adorava esse pesqueiro. Algumas vezes, quando olhava para o fundo mar via com nitidez a imagem de uma sereia que retribuia o olhar. O rapaz, então, dizia para outros "Lá está ela, lá está ela..".
Incrédulos, pois nem o pai nem o seu irmão viam algo parecido com uma sereia, perguntavam-lhe : "onde está? como é ela?".
O rapaz respondia:
"Tem cara redonda, cabelo curto um pouco partucular e olhos ónix."

Mas a vida dos homens era difícil e o pai, nunca recomposto da perda da mulher, mergulhava no vinho todos os dias, sendo cada vez mais difícil trazê-lo à faina da pesca.
Os patrões, donos do barco, ficavam insatisfeitos com o fraco rendimento daquela tripulação.
Uma noite a tragédia aconteceu: O pai, depois de muitas horas na taberna, tomou o caminho que leva à falésia e atirou-se lá de cima.

A vida passou a ser ainda mais difícil para os dois irmaõs. No aniversário da morte do pai, após uma noite de lágrimas na taberna entre pescadores que lamentavam a má sorte daquela família, o irmão mais velho, repetiu a desgraça do pai, do mesmo sítio, quase à mesma hora, atirou-se da falésia.

A partir desse terrífico acontecimento a vida quase terminou para o irmão mais novo. Não mais foi à pesca, passava os dias sentado à porta da taberna, sem falar , à espera que alguém lhe pagasse um copo de vinho.
Quando mais um aniversário dos horríveis acontecimentos se aproximava , todo povo da vila comentava: "Desta vez vai ser ele" .

No dia de aniversário , lá estava ele, no meio dos outros pescadores, a beber, a lembrar, a chorar. O desespero crescia até fazer faltar o ar a todos os presentes e trazia ao rapaz uma angústia insuportável.

Nessa ocasião uma mulher entrou na taberna.Tinha cara redonda, cabelo curto um pouco partucular e olhos ónix. Colocou a mão no cabelo do rapaz, fez-lhe uma festa. Ele olhou-a, reconheceu-a, deu-lhe a mão e partiram os dois na direcção da praia.

2 comentários:

joaninhalibelinha disse...

Quero ser a sereia que dá a mão quando mais é preciso. Não teremos todos alguém que nos dê a mão quando precisamos? "Os Amigos", lembras-te?:)

Inês Lima Azevedo disse...

"Ele sorria, de sorisso triste, enquanto eu lhe contava a história do pescador e da mulher peixe, à noite, para adormecer."

Sentados nas pedras do passeio em frente à casa amarela dávamos as mãos, felizes.

Tu usavas um chapéu de palha, e as tuas mãos, invariavelmente cheiravam a peixe.

Estava calor, o sol brilhava, não havia uma única núvem no céu. A casa amarela era já a nosso casa há cinco anos, mas tu não te cansavas de a admirar. Tinha sido nossa com muito esforço, muito trabalho e muitas noites no mar.

Por trás dos muros brancos que a delimitavam, via-se ao fundo o azul do mar e o azul do céu. Misturavam-se e eu não sabia onde um começava e o outro terminava.

Do lado esquerdo, a razão e o limite sobrepunham-se à imaginação e ao intifito: o farol vermelho definia, cruelmente, a divisória real entre céu e mal, rasgava em dois o que parecia ser um só. Mas isso importava? Estavamos felizes e fazia sol.

A casa, foste tu que a pintaste no Verão passado. Ainda brilhava como nova. Voltámos para dentro.

Nessa noite foste para o mar outra vez. De madrugada, quando acordei, ainda não tinhas voltado. Não me preocupei, acordo sempre três vezes meio da noite. Às nove acordei outra vez e ainda não tinhas voltade.

É noite agora e ainda não vieste. E a luz que vai e volta do farol irrita-me e deixa-me louca. Já passaram três anos.